14 fevereiro, 2017

LENDAS DE PAIXÃO, MITOS DE GLÓRIA (ou como nem lhes cabe um pinhão).


Acordam cedo, todos os dias, bem antes do galo… os campos ainda cobertos pelo orvalho fresco da manhã que cai só para eles e abençoando o seu ser glorificado. Faça chuva ou ameace raiar o sol, na eira ou no seu viçoso e fértil nabal. Trabalham árdua e devotadamente, nos relvados verdes do Seixal, onde fazem evoluir o seu futebol do mais fino recorte, da mais virtuosa técnica. Mais ainda, numa azáfama quase perturbadora, estonteante, mirabolante, em salas e portas -- a 18 é manifestamente e a título de curiosidade a que tem mais procura -- sitas nas instalações da Sede na Avenida do Apanteonado Eusébio da Silva Ferreira e no estádio ali implantado: autêntico monumento ao cesto do pão, acompanhado de azeitonas pretas e um belo de um chouriço assado.

São chamadas em catrefada, de dentro para fora e de fora para dentro no portentoso helpdesk existente, desfiles sem fim na passadeira encarnada de personagens mais ou menos conhecidas dos diferentes quadrantes da sociedade portuguesa, de paineleiros orquestrados que vêm às reuniões bissemanais de onde saem cantando em coro, de peões amestrados…

As filas são intermináveis nos balcões de levantamento de vouchers e brindes vários, desde posters e calendários de parede dos jogadores em poses sugestivas, penas da água vitória, altas e fofas almofadas estampadas com a cara de Rui Gomes da Silva, pacotes cheios de ar puro do Estádio da Luz, até aos mais vulgares porta-chaves sempre com imensa saída.

Ainda que o impessoal sistema de atendimento por ticket tenha vindo criar alguma confusão e estranheza inicial -- pela saudade da habitual recepção na pessoa do próprio Presidente onde eram distribuídos sorrisos, cocktails, pacotinhos e palmadinhas nas costas -- a simpatia, o brio, a eficiência e a eficácia mantêm-se as palavras de ordem.


Assistem-se a métodos implementados a pulso, com sangue, suor e lágrimas nas-ao-longo-dos- -anos-dilatadas-tolas do pessoal afecto e contratado, motivados por décadas de seca grave e generalizada e da Grande Fome. Foram centenas de meses e meses e meses passados em esforços de Investigação & Desenvolvimento que geraram case-studies estado-da-arte da autoria de alguns dos mais conceituados investigadores portugueses da área. Deles saíram princípios norteadores (ah, o raio do adjectivo!) de acção e fundamentados em 4 grandes eixos: A) Santas Alianças e Ententes, B) na suprema importância das relações públicas especializadas em determinadas profissões de arbítrio e ajuizamento, C) na prospecção e formação de talentos homemade e D) na criação de postos de trabalho.

Pelo meio e aliado a isso um treinador de serviços mínimos com capacidade de se armar em carapau de corrida e um balneário recheado de um punhado de jogadores razoáveis e jovens promessas e mais o Luisão, todos eles com contratos de trabalho onde se os declara candidatos fortíssimos a loas, à sempre almejada endeusificação e beatificação no espaço de poucos meses e/ou semanas (quais Barça ou Real Madrid!) e mais o Luisão. Todos eles potencialmente merecedores de pacotes turísticos a destinos tão paradisíacos como os Emirados Árabes Unidos, o Mónaco, a distante Valência, a pitoresca Assunção e os recantos da Floresta Amazónica. Todos eles e mais o Luisão, celebrados mártires, deuses dos relvados e mestres de domínio da bola, que infelizmente deixou de ser de trapos e penas como nos bons velhos tempos em que tudo ganhavam, tudo varriam, tudo rapavam tipo o saudoso Salazar de cozinha. Gorada a possibilidade (não por falta de tentativas e démarches, entenda-se!) de regresso a esses tempos do futebol e preto e branco e da falta de transmissão televisiva, período de habituação superado, começam agora a interiorizar a coisa e a criarem vínculos com a nova gorduchinha que é remédio e ainda redonda. Lançou-se também um refulgente e modelar canal próprio de televisão que até transmite a cores e tudo. Nos relvados portugueses e até do Norte a coisa até que tem ido, com glória, alegria, estádios cheios, bandas de música, bombos, pompa e circunstância. Apenas nos internacionais (será da relva?) o insucesso permanece, num mistério que se adensa e difícil de explicar, pese embora as horas extra feitas pelo cada vez maior e mais apetrechado departamento de I&D que até chega ao cúmulo do requinte de falar inglês.

O maravilhoso coração, maravilhoso das gentes benfiquistas merece todos os sacrifícios, todas as pestanas queimadas, todas as horas de dedicação, todos os ensaios laboratoriais, todas as cobaias, todas as cabeças que entretanto rolaram. É plenamente recompensador testemunhar a alegria das ordeiras e genuínas gentes encarnadas nos últimos anos, período em que desencornaram, partiram coisas, desabrocharam, partiram coisas e agora vicejam, prosperam, coisas partem e se ostentam, ufanas… famílias pelas mãos, cabecinhas menos inchadas, sendo o desiderato supremo chegar no mínimo ao – como se diz mesmo quando se ganham 6 campeonatos seguidos? Ah, sim. – hexacampeonato, para assim calar de vez os provincianos corruptos que moram a Norte, sempre com a ladainha do tetra e do penta e do diabo que os carregue (e já faltou mais…).

Depois de um início de época de puro deleite visual e dos sentidos, em que tudo fluía num ir e devir prodigioso e glorioso e tudo o que acabava em .oso, outros ventos se levantaram, novamente vindos do raio do ponto cardeal que remete lá para cima e que deveria ser banido do mapa português. O agora é preocupante. Assiste-se à desSUPERização de uma equipa fabulosa mais o Luisão, o glorioso fosso foi vencido, gloriosas tácticas quase neutralizadas e sente-se a pressão de lançar novos estudos científicos, de alargar o espaço no dito cujo apara alojar novas leguminosas e/ou sementes em caso de real necessidade, de subsidiar novas investigações que funcionem como contra-ofensivas e recorrer a todo o armamento pesado, capelas com e sem ogivas, paixões, motas, talhantes, colos, alcofas, avionetas, Boeings, padiolas, bombistas, macas, guindastes, gruas e tudo. Sempre pela Causa-Maior. Pelo Grande Desiderato Nacional.

A azáfama recrudesce. Está ao rubro e ao encarnado-papoilinha. A chama imensa tremelica.
A Escala de Richter começa a acusar vibrações inusitadas.
T(r)eme-se o pior. T(r)eme-se que se apague.

As humildes gentes benfiquistas mobilizam-se (isto se nos entretantos não houver um resultado menos positivo, em que se assiste a uma espécie de recolher obrigatório durante horas e que pode ir até dias). Cada jogo até ao fim do campeonato – falta apenas um tiquinho assim -- será uma batalha mais. Em cada jogo um combate desigual, com os árbitros achincalhados nas suas preferências, já amedrontados, já violentados nos seus ideais, subitamente parciais, amedrontados, acossados à saída do seu local de honrado trabalho por dois ou três ogres enormes de quase dois metros e vinte e com cachecóis azuis e brancos ao pescoço, psicologicamente manobrados para fazer soçobrar e prejudicar o Glorioso Tricampeão no seu objectivo uno.

Desengane-se quem pensar que vão conseguir: os valorosos e intrépidos jogadores do ÉSSEÉLEBÊ continuarão a progredir com brio, denodo e pundonor nos relvados, lamaçais e campos hostis desse Portugal, preenchendo (ou morrer a tentar preencher) páginas míticas e históricas em caminhadas épicas rumo ao glorioso Treta. Das adversidades far-se-ão bandeiras, hinos e paixões, rezar-se-á em igrejas, capelas e capelinhas… por cada papoila derrubada, uma outra se levantará, orvalhinho e tudo.

Por cada penalty não assinalado, pelo não reconhecimento de um mergulho de elevada nota técnica e artística na área adversária, por cada minuto sonegado, surripiado nos descontos, por cada castigo ao treinador profeta da verdade, por cada fora-de-jogo assinalado contra, por cada expulsão de um santo jogador após lance leal meramente viril-que-futebol-não-é-para-margaridas, por cada bola rechaçada, por cada bola ao poste, por cada golo gloriosamente consentido… um BRUÁ de enorme e avassaladora revolta se fará ouvir de lés-a-lés na imensa, nobre e orgulhosa nação benfiquista. Irão até ao fim qualquer que seja o custo (que estão como sempre dispostos a pagar, até quando não sabem…). A resposta aos inimigos da Verdade Desportiva, aos violadores impunes dos direitos legitimamente adquiridos e trabalhados, será dada em campo, nos túneis, por telefonema e através do sistema de dispensar senhas que entretanto, meio-dia ainda, esgotou já os rolos de manhãzinha repostos para mais um dia de labuta de combate aos…

E rima e tudo.

4 comentários:

  1. Miss Bluebay...a porta-voz do nosso clube. JÁ!!!
    B-R-U-T-A-L!!!

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  2. Minha cara amiga
    Acredite que deve ser mais difícil para qualquer um conseguir elogiar mais um dos seus excelentes artigos do que terá sido para a minha amiga adorná-lo com ironias, adjetivos, e alguns neologismos (desSUPERização é um achado). A “Avenida do Apanteonado” é outro!
    Sabe uma coisa? Quando há cerca de 2 anos a comecei a ler pensei que a beleza dos seus escritos só poderia vir de uma jornalista ou de uma escritora. Tentei saber, através dos amigos do bibóporto de quem se tratava, mas fecharam-se todos em copas. “Ninguém a conhecia”, “ninguém a via”, hum… estranho, muito estranho. O curioso é que aparece por aqui e por ali, em sítios que todos nós, comuns mortais, vamos, mas pelo menos comigo nunca aconteceu a felicidade de a ter encontrado. Acredite que ia logo ter consigo. “Olhe eu sou o José Lima que atamanca umas croniquetas no blogue Místicaazulebranca e gosto muito de si!” Gosto da maneira como escreve já se vê.
    Há tempos um amigo que muito prezo, portista como eu da velha guarda, escrevia que “a fila para a conhecer já vai longa”! Pois. Quem a lê fica preso aos seus textos. Além da beleza estilística (pureza, correção, clareza) demonstram que está muito por dentro desta brincadeira de milhões que é o pontapé-na-bola!
    Apetecia-me comentar os parágrafos um-a-um mas para não ser maçador hoje fico por aqui.
    Um beijinho de portista para portista

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  3. Minha cara Miss BlueBay, depois do que vi hoje, penso que existe base científica para mudar o conhecido proverbio "É mais fácil ver um porco a andar de bicicleta..." para "É mais fácil ver o slb ganhar ao Dortmund..."
    Sem ofensa aos pobres suínos pela desconsideração, mas a sua possibilidade de domínio no velocípede parece-me relativamente banal quando comparada com o que se passou hoje no estádio da Luz. Para quando um estudo sério ao genocídio de galináceos pretos lá para aquelas bandas?
    E não! Isto não é mito. Como um adepto vermelho dizia no final do jogo, isto é jogar à benfica.
    Quando todos os subterfúgios lampiónicos falham, resta esta ultima barreira, quiça a mais poderosa de todas: A sobrenatural SORTE que habita por aqueles lados no pós-Kelvin. Foi assim em 2014/15 quando venceram mentirosamente um clássico no Dragão que decidiu um título. Foi assim em 2015/16 quando venceram mentirosamente um clássico em Alvalade que decidiu um título. É assim em 2016/17 quando empataram mentirosamente um clássico no Dragão que está a fazer a diferença do primeiro lugar.

    Pelo jogo de hoje, já estamos a ver o que vamos contar na Luz caso as diferenças pontuais persistam. Uma equipa a jogar à Tondela, com fé no seu melhor avançado: o Estrelinha!
    Talvez por isso NES já ande a rotinar a nossa equipa para os obrigar a fazerem o jogo que mais detestam. Ter a iniciativa...

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  4. fantabulasticamente brilhante. e genial também.

    beijinhos
    Miguel Lima | Tomo III

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